Quem é o nosso inimigo?



Outro dia, reparei que existe um determinado grupo de pessoas, que costuma usar a terceira pessoa do plural como figura de linguagem, de modo a dar sentido a um padrão de pensamento, pelo qual exprime aquilo que sente baseado em "eles" ao invés de "eu".
    
Isso despertou meu interesse, pois fez com que eu tentasse compreender essa necessidade de terceirizar responsabilidades que seriam única e exclusivas do próprio indivíduo. Cada decisão deve ter como pressuposto a vontade e a necessidade de buscar por aquilo que lhe faça sentido, e por esse motivo, ainda parecia um tanto confuso isso de transferir a terceiros a responsabilidade pelas próprias decisões. 
 
Uma das formas observada por mim foi a transferência de culpa a terceiros, de toda responsabilidade pelos problemas individuais ou coletivos, insolúveis muitas vezes pela incapacidade que determinado grupo ou indivíduo possua ao gerenciar as próprias decisões.  Existe um limite entre a responsabilidade da sociedade com o indivíduo e a própria capacidade de se gerenciar. Nem todas as decisões devem partir de um ente externo, pois do contrário, estaríamos a mercê de um controle social e ditatorial.  

Vejo que há diversos movimentos no sentido de atribuir os problemas humanos a "eles", como se houvesse algum tipo de sabotagem elaborada por um grupo hipotético e maquiavélico, disposto a dominar a sociedade e corromper nosso poder de discernimento e o livre arbítrio. Essas ideias surgem geralmente de quem pretende gerar pânico e com isso manter o controle de determinado grupo de pessoas.

Entretanto, não vejo equilíbrio entre o que é dito e o que de fato ocorre, já que a sociedade é considerada um organismo vivo, já que o pensamento coletivo leva a decisões em massa e consequentemente ao senso comum, que tem seu valor e sua importância na organização de um grupo.

Mas a questão fundamental aqui é compreender como isso pode ser útil, mas, ao mesmo tempo, prejudicial, quando indevidamente formatado. Dentro da antropologia, existem métodos capazes de mensurar essas questões, com base em evidências claras, sem margem para dúvidas em relação ao comportamento humano quando o assunto é viver em grupos que formam sociedades. Por isso da importância do método científico como princípio de pesquisa. 

Alguns desses grupos entendem que certas normas devem ser seguidas, de modo a organizar e estruturar ideias e assim manter a ordem das coisas, com base em princípios éticos e morais, criados em comum acordo; já outros, optam por expandir a forma de pensar o convívio em sociedade, de modo a descentralizar o pensamento e organizar o grupo com princípios éticos flexíveis e coerentes com um modo de pensar a liberdade como direito individual e assim encontrar equilíbrio nas próprias decisões.  

Tá, mas o que isso tem a ver com terceirizar responsabilidades? Tudo!

Basta olhar em volta para perceber que enquanto a maioria segue o senso comum, com ou sem prejuízos, outros pensam de forma individual e tentam assim resolver as próprias questões, sem dar importância a opinião de terceiros, quando esta se torna irrelevante. 

Já outros entendem que a responsabilidade está naquilo que lhes foge ao controle, como os desígnios divinos, a sorte ou azar, os governantes, a "matrix" ou mesmo alienígenas que supostamente controlam nossa mente e nos fazem agir como agimos.  

Ao usar o senso comum como muleta, ao invés de refletir sobre o que é condizente com sua forma de pensar, deixa-se de lado a autonomia e a proatividade, para dar vez a resignação. Essa terceirização de decisões normalmente surge dos discursos conformistas, em que a culpa recai sobre a sociedade, governantes, entidades, demônios, espíritos, Annunakis ou reptilianos. Raramente o próprio indivíduo assume sua incapacidade de tomar para si a responsabilidade sobre os próprios atos, prefere transferir para outros a responsabilidade sobre a própria existência.    

É fácil fugir e se esconder sob o véu da crença e das limitações autoimpostas, por achar que todos são responsáveis por suas decisões, seus erros e acertos, menos a pessoa que deveria decidir por si mesma. Essa pessoa nem percebe que o inimigo que tanto foge é ela mesma, pois prefere acreditar que está na figura de outros personagens.

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