Sobre a dúvida diante das certezas

Nós humanos somos movidos pelo ímpeto da curiosidade e motivados pelas descobertas. Consideramos como válidas todas as possibilidades e diferentes formas de pensamento a respeito da vida. Essa visão pode variar conforme as diferentes influências do meio social ao qual estamos inseridos e pelos princípios aos quais nos orientamos.

É natural que tenhamos a necessidade de questionar tudo que esteja relacionado com nossas percepções e convicções, a medida em que buscamos por novas fontes de aprendizado, a fim de saciar a curiosidade que nos é peculiar. Ao agirmos assim, lapidamos o conhecimento adquirido e entendemos como efetivamente a vida funciona, ao passo que alimentamos a infindável chama do desejo sobre os mistérios da vida e da nossa relação com o mundo.

Esse tipo de iniciativa nos remete a reflexão e ao questionamento. Ao refletirmos sobre aquilo que antes não era visto com a devida relevância, alimentamos nossa compreensão sobre aquilo que desconhecemos em sua integralidade. Através da reflexão, comparação e questionamento, moldamos nossa forma de compreender os mecanismos que fundamentam determinadas maneiras de entender o mundo e as pessoas, bem como das motivações que envolvem determinada forma de pensar a realidade. Isso viabiliza o entendimento e torna acessível a qualquer indivíduo obter uma base suficientemente sólida para compreender algumas questões e, por meio delas, fundamentar sua visão a respeito da realidade, ao desmitificar fatos e assim contribuir com o desenvolvimento do conhecimento em seu sentido amplo.

Assim como no método científico, na vida humana, todo objeto de avaliação deve ser visto com certa imparcialidade, desprovido de vieses imperativos que descredibilizem o objeto em si. Isso tende a fragilizar a iniciativa do indivíduo e distorce o princípio da racionalidade, por torná-la irrelevante para o objetivo desejado, mesmo que em seu teor essa ideia tenha relevância e objetivos coerentes.

Trazer um pensamento à luz dos fatos, possibilita que o objeto avaliado seja considerado consistente e livre de lacunas ou conceitos dúbios, pois somente desta forma será possível esclarecer a questão e descartar qualquer possibilidade de rigidez ideológica ou cognitiva. Através dessas práticas, haverá maior consistência naquilo que é defendido, de modo a considerar a flexibilidade das teorias, em vez da rigidez das crenças e alguns dos seus fundamentalismos.

Através desse emparelhamento com o viés da racionalidade, encontremos respostas, geralmente alinhadas com a realidade, que nos levará a compreender que existem variáveis a serem consideradas, inviabilizando a possibilidade de fundamentações calcadas em pensamentos questionáveis e de pouca credibilidade.

As formas como desenhamos a realidade, está conectada com alguns dos tantos estímulos que recebemos ao vivenciarmos experiências de vida relacionadas ao cotidiano e ao meio social com o qual compartilhamos muitos dos nossos comportamentos. Somos bombardeados desde cedo por diversas informações e naturalmente assimilamos muito do que aprendemos ao observar o comportamento de nossos semelhantes. Porém, ainda que sejamos doutrinados, poderemos contar com nosso pensamento racional, que nos levará a questionar a veracidade daquilo que nos é ensinado e sua relação com a realidade.

A forma como lidamos e moldamos nosso conhecimento, baseado em empirismo, determinará como entenderemos e vivenciaremos a realidade, uma vez que será clara a distinção entre o que há de permanente e imutável, daquilo que nos é possível alterar e adaptar, para que nossa vida faça sentido. Somos movidos pela subjetividade, logo, teremos pensamentos distintos a respeito de algo. Apesar disso, a realidade é objetiva e nossa compreensão está intimamente ligada a capacidade de discernir entre realidade, desejo e imaginação e não podemos viver uma utopia ou uma realidade paralela, quando a realidade é justamente oposta a tudo que ilusionamos e desejamos. Os sonhos são autênticos, porém nem sempre realizáveis.

A linha tênue que divide essas duas linhas de pensamento em ‘realidades’ distintas, é a mesma igualmente responsável pelos embates entre críticos defensores da existência de uma verdade acima de qualquer questionamento; de caráter absolutista e respaldada pelo moralismo coercitivo, que apela para a ameaça, enquanto promete a salvação. Outra peculiaridade é o uso da desmoralização para atacar aqueles que defendam algum outro pensamento que não esteja alinhado ao que consideram ser a sua verdade. O negacionismo torna-se uma forma de ataque pelo qual buscam se autoafirmar, certos de que estão efetuando algo de bom para a sociedade.

Embora pareça óbvio para alguns, nem todos entendem e enxergam realidade da mesma forma, como uma sequência de eventos coordenados por decisões individuais ou coletivas e ações que determinam o futuro de cada um. Em vez disso, alguns grupos optam por seguir idealismos questionáveis, enquanto agem à sombra de intenções, dogmas ou normas de conduta perniciosas e capazes de inviabilizar qualquer possibilidade de desenvolvimento humano.

A busca pela verdade é uma maneira pela qual o homem visa entender sua realidade e assim significar a própria existência, enquanto tenta se encaixar na sociedade e assim sentir-se parte do todo. Os sensatos discordam da premissa de que não devemos questionar o inquestionável, pois o que prevalece é o bom senso e não aquilo que acreditamos ser verdade. Para esses, a melhor alternativa é defender formas objetivas e baseadas em evidências palpáveis, de acordo com uma análise crítica daquilo que é possível num mundo real, longe de dogmas ou utopias.

O erro do absolutismo está na fragmentação da ideia do que, efetivamente, seja a maior de todas as verdades, quando, na realidade, isso é fruto da subjetividade humana moldada por processos cognitivos e empirismo. O radical utiliza como abordagem suas próprias convicções, em vez de uma abordagem direta e despida de qualquer pretensão. É difícil para ele compreender que pode haver uma eventual mudança de paradigma, a partir dos desdobramentos que refutem o que antes fora visto como verdade.

A rigidez de certas verdades torna-se frágil a partir do momento em que sua argumentação carece de evidência, e, que, quando há uma suposta comprovação, geralmente é demasiadamente frágil, tendenciosa, pouco confiável ou de origem duvidosa. Não há justificativas que endossem um tipo de pensamento alicerçado por um ideal rígido e repleto de artimanhas capazes de se autodefender como algo que esteja acima de qualquer dúvida ou questionamento.

O fato é que a dúvida é a bússola do conhecimento, pela qual nos orientamos a fim de partir do ponto A para o ponto B, enquanto algumas certezas funcionam como um cercado que delimita nossa razão e impede a busca pelo conhecimento.

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