Sobre o pessimismo e a positividade tóxica

Segundo o psicólogo e criador da psicologia positiva, Martin Seligman; somos naturalmente pessimistas por conta de uma questão de adaptação e sobrevivência, além de uma herança cultural primitiva, no qual o otimismo era incompatível com a realidade da época.

O fato de não sermos naturalmente otimistas, mas prioritariamente pessimistas, faz todo sentido quando pensamos em uma época na qual precisávamos estar atentos ao ambiente hostil no qual vivíamos, de modo a evitar qualquer possibilidade de risco iminente.

O pessimismo moderado nos torna vigilantes, cautelosos e realistas com as possibilidades de um perigo iminente, ao não dar espaço para que riscos desnecessários sejam a razão para uma situação trágica. Em contrapartida, o otimismo nos torna confiantes, mas embora pareça vantajoso, precisa ser igualmente visto com moderação, pois o excesso de confiança pode dificultar as coisas, uma vez que não mensuramos riscos por achar que estamos no controle da situação.

Não é difícil imaginar um cenário hipotético no qual um indivíduo saia em busca de alimento e, ao deparar-se com algum predador, assuma um comportamento excessivamente confiante em relação à própria capacidade, ao achar que talvez o animal sinta-se solitário e precise de ajuda. Ao realizar essa aproximação, seja com a intenção de fornecer alimento ou dar-lhe atenção, como estamos habituados a fazer com animais de rua, esse indivíduo seria certamente atacado. Dentro dessa realidade imaginária, seria como assinar a própria sentença de morte e entregar-se de bandeja para fera e dar-lhe a oportunidade de um ataque fulminante, com menos esforço e assim garantir a refeição do dia.

Animais predadores não possuem como característica a empatia por qualquer outra espécie que tente aproximar-se de um indivíduo ou bando. Para eles e seu instinto de sobrevivência, qualquer outra espécie que esteja próximo de mais, pode ser visto imediatamente como uma ameaça iminente ou uma presa fácil, o que levará a um ataque inevitável. Existem diversos casos relatados e disponíveis hoje na internet, de situações nas quais turistas insensatos arriscaram a própria pele ao saírem da segurança do veículo, com a clara intenção de aproximar-se de animais selvagens, por achar que nada de mal possa acontecer. Mas o pior certamente vai acontecer, pois animais selvagens costumam ser imprevisíveis quando confrontados.

Embora o excesso de otimismo seja um problema, podemos dizer o mesmo em relação ao pessimismo, quando alguém excessivamente pessimista não enxerga o mundo sob outra perspectiva e tende a pensar que as coisas são como são e que por conta disso deve resignar-se com a própria condição existencial, uma vez que o que está feito não pode ser desfeito. Esse condicionamento mental pode ter relação ou não com questões ligadas a própria saúde mental.

A subjetividade desses pensamentos pode levar o sujeito a tomar decisões equivocadas, por entender que está em uma suposta normalidade, quando, na verdade, ele vive imerso em uma realidade distópica e de valores distorcidos a respeito da própria existência. Essas incertezas sobre a própria individualidade, retroalimentada por estímulos externos e pela forma como aprendeu a entender a vida, contribui para que ele possa distorcer a compreensão de si e do mundo, de maneira a criar uma realidade baseada em angústia, sofrimento, dúvidas e incertezas, capazes de não deixá-lo perceber que a sua existência não está condicionada ao fato de ter experimentado somente aquilo que conhece como algo natural e aceito.

Podemos ser treinados para haver um equilíbrio entre esses dois extremos, para compreender que é possível viver em paz conosco, desde que acompanhados de um profissional da área de saúde mental devidamente treinado para lidar com essas e outras questões mentais e comportamentais. Existem inúmeros profissionais disponíveis no mercado, com boa formação e experiência nas áreas em que atuam, o que lhes dá embasamento suficiente para direcionar da melhor forma essas questões, sem que haja prejuízos ao paciente e aos demais membros envolvidos.

Faz-se necessário cautela com a positividade tóxica, já que esse tipo de crença exagerada costuma mascarar a realidade por meio de uma suposta felicidade, capaz de sobrepor qualquer tipo de realidade negativa ou pensamento que impeça alguém de alcançar determinado objetivo na vida. É uma forma equivocada de tratar a realidade, costumeiramente baseada em metodologia questionável, ao tratar da questão como um fator de fácil solução, o que torna evidente para qualquer terapeuta sério, tratar-se de um engodo e uma tentativa falha de mascarar problemas por meio de técnicas de convencimento por meio da venda de cursos, livros e promessas disfarçadas de ciência.

É preciso cuidado ao atribuir veracidade e certos tipos de 'coachs', que oferecem soluções mirabolantes para os mais diversos males por meio de técnicas bizarras e invencionices sem qualquer base científica, defendidas como autênticas, sob a justificativa de terem origem em estudos sérios de cientistas da área. Esse argumento tem sido utilizado como forma de transparecer seriedade, pois ao atribuir determinado discurso a alguém com certa autoridade acadêmica ou militar, convencer qualquer pessoa cética se torna bem mais fácil. 

Entretanto, existem diversos farsantes que se utilizam das próprias formações e experiências em ambiente acadêmico, como argumento para conferir veracidade aos métodos criados por eles, que não se sustentam quando levados a ambientes acadêmicos sérios para serem testados e comparados.

Ao buscar na literatura científica, certamente será possível perceber que não há qualquer indício de verdade nas afirmações, pois um tratamento ou experimento precisa ser avaliado por um grupo de especialistas [teste aos pares], que avaliará cada etapa da pesquisa, de modo a eliminar quaisquer resquícios de dúvida, inconsistências ou falsas evidências entre o que é afirmado e o que foi testado em ambiente acadêmico, para somente depois ser validado como evidência e aprovado, para enfim ser publicado em revista científica ou site acadêmico.

Então quando algum desses gurus modernos aplicam técnicas duvidosas, e a comunidade científica começa a questionar a efetividade dessas técnicas, torna-se evidente que se trata de um efeito placebo, desprovido de eficiência e sem qualquer endosso oficial.

A situação é ainda mais grave quando pseudoterapeutas não possuem graduação em áreas relacionadas a comportamento humano, não são especialistas no assunto abordado e costumam ser formados por escolas de pouca credibilidade, que oferecem cursos de curta duração, no qual fundamentam seus ensinamentos nas metodologias questionáveis já citadas anteriormente. Existem diversos vídeos na internet, onde supostos terapeutas são desmascarados por terapeutas com graduação na área, que conseguem comprovar a ineficácia desses métodos questionáveis.

Com o advento dessa enxurrada de pseudoterapeutas e gurus motivacionais, a positividade tóxica tem assumido formas estranhas, de modo a causar ainda mais prejuízo aos que se aventuram no universo das soluções rápidas para problemas difíceis. Essa positividade é um risco para a sociedade, já que induz ao erro e deixa sequelas profundas naqueles que possuam algum histórico de transtornos mentais, que comumente abandonam tratamentos sérios e eficazes, para se entregarem aos curandeiros da nova era.

Não há como negar que fórmulas fáceis para resolver a vida são totalmente ineficazes. Livros que prometam métodos infalíveis para todas as questões da existência humana são fraudes. Ninguém muda a própria realidade após ler um livro que traga como título algo como: "10 métodos infalíveis para tornar-se um milionário" ou "10 práticas para ser feliz".

É preciso bom senso e cautela com essas promessas fáceis, pois o resultado é quase sempre a frustração. Cada indivíduo possui sua forma de lidar com a vida, seu tempo para evoluir e sua forma distinta de conceber o conceita de felicidade. Não dá para encarar as coisas com base em atalhos, pois ao pularmos etapas importantes da compreensão humana, somos levados a cometer erros grotescos. Vale lembrar que quando falamos de lidar com sentimentos alheios, estamos sob o risco de dar direcionamentos a alguém, que talvez esteja em um estado emocional vulnerável e capaz de apegar-se a qualquer solução, por mais absurda que pareça.

Precisamos lembrar que a felicidade não é um fator de constância. Podemos nos sentir felizes diante de um fato, mas jamais seremos felizes em tempo integral. A felicidade eterna é um mito, uma utopia e uma forma pretensiosa de enganar pessoas e menosprezar a capacidade humana de discernimento.

Na dúvida, opte por um psicólogo com formação tradicional e evite ser mais uma vítima dos profetas da nova era, travestidos de palestrantes motivacionais e gurus de todo saber sobre felicidade, fortuna e sucesso. Isso só funciona para eles, pois vendem milhares de livros, cursos e palestras.

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