A ilusão da vida eterna

É provável que em algum momento da vida tenhamos cogitado a possibilidade de viver eternamente e assim desfrutarmos dos prazeres de uma existência infinita, pela qual poderíamos gozar da possibilidade de tornar real qualquer um dos tantos desejos possíveis e imaginários que estivessem ao nosso alcance. Com isso, teríamos tempo suficiente para planejar e realizar ações que viabilizassem uma vida digna de ser vivida em toda sua intensidade. Teríamos, em tese, uma existência feliz, com a opção de  poder prolongar essa experiência para sempre ou repetir tantas vezes desejasse, certo? Nem tanto!

Embora pareça algo distinto do tema abordado até aqui, podemos utilizar a fase de adolescência como um exemplo de como supostamente seria se houvesse algo possível quanto a viver eternamente. O motivo da comparação está no fato de que nessa fase da vida, experimentamos uma enxurrada de estímulos [motivados por questões hormonais] capazes de nos levar tomar as mais variadas e absurdas decisões. É compreensível a um adolescente o desejo por prazer e realização pessoal, já que durante esta fase, ainda não temos o córtex pré-frontal muito bem desenvolvido, o que nos leva a tomar decisões por meio da amígdala – explicando a constante necessidade de buscar por dopamina e serotonina. E trazendo isso para o mundo adulto, é possível que tal explicação possa fazer sentido para alguém que experimente a vida eterna, já que não haveria a questão da limitação temporal, que nos condiciona a viver somente o que for possível por um período específico de tempo.  

Jamais parei para pensar sobre como seria lidar com a experiência de ver pessoas próximas nascerem, envelhecer e morrer, enquanto eu seguiria adiante para todo sempre. O desejo de ser o único ser humano eterno sobre a face da Terra, era a garantia de uma vida sem preocupações, mesmo desconhecendo o problema de ser exclusivo em meio a uma civilização inteira de mortais, que vivem seus dias à sombra morte iminente, o que nos leva a encarar a vida de uma forma bem mais intensa e certamente diferente da forma que eu encararia, caso fosse imortal. Outro ponto é pensar que a eternidade seria uma forma de prisão existencial, pois viveríamos em diferentes épocas, experimentando outras culturas e costumes, vivenciando guerras, crises, epidemias e todo tipo de tragédia possível a humanidade.

Lembro de ter tido tal pretensão enquanto adolescente, quando desejava prazeres momentâneos constantes e ininterruptos, como é peculiar a maioria dos jovens. Sonhava com a possibilidade de uma vida eterna e ininterrupta, pela qual poderia ser quem eu desejasse e fazer o que desse na cachola, quando tivesse vontade.

Na época eu não fazia ideia das consequências de ser imortal e jamais cogitei nenhuma outra possibilidade que não fosse apenas ‘curtir a vida’. A falta de discernimento para refletir sobre as consequências desse tipo de decisão, faz parte da maioria de nós humanos que colocam desejos à frente de qualquer reflexão a respeito, isso mesmo já na fase adulta.

Mas os problemas certamente surgiriam a partir do momento em que percebêssemos todos os entes queridos envelhecer e morrer; amores ficariam para trás; amigos seriam apenas parte de alguns fragmentos guardados na memória, enquanto que o que restaria seria penas apenas saudade, lembranças e certamente dores das tantas perdas ao longo da trajetória de vida e um imenso vazio existencial. Um ser imortal experimentaria a sensação de vazio, solidão e tristeza eterna, ciente de que nada poderia fazer para evitar todas essas dores.

Diante de tal possibilidade, teríamos que imaginar como ficaria nossa mente ao vivenciar todas essas coisas e perceber que jamais encontraríamos um fim, que viveríamos presos em um mundo do qual saberíamos que nada poderia ser feito no sentido de interromper qualquer tentativa de alteração das coisas como elas forem definidas. Será que nossos valores morais e éticos acompanhariam as evoluções e revoluções culturais, ou ficaríamos presos a um tempo somente nosso? 

Será que nosso equilíbrio emocional, suportaria tamanha pressão após presenciar tantos acontecimentos traumáticos?

Ser eterno pode soar divertido enquanto exercício de imaginação com objetivo específico, porém a prática talvez seja bem mais dolorosa do que imaginamos e desejamos. Enquanto nos divertimos com o desejo de infinitude, deixamos de lado os pontos negativos e questionáveis ao não levantarmos todas as possibilidades e o sofrimento interno causado por isso. É provável que chegaria um dado momento em que nossa sanidade seria abalada e não passaríamos de um resquício daquilo que fomos um dia. O efeito disso talvez fosse um ser humano desequilibrado emocionalmente, repleto de traumas, fobias e desvios comportamentais decorrentes de todas as experiências vividas ao longo dos séculos.

Haveria a possibilidade de nos fecharmos internamente e nos afastarmos do convívio social, de modo a vivermos em isolamento num lugar inóspito, com a clara intenção não ter que sofrer com todas as influências negativas de um mundo excessivamente populoso, hostil, doente, devastado e em constante decadência.

Então quando vejo alguém falar em ser recompensado com a ‘vida eterna’, penso comigo: “Pobre coitado! Não faz ideia do erro que está cometendo”.

Juro que não desejo essa sentença nem para meu pior inimigo – ainda que não tenha inimigos.

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