Sobre a ilusão do sucesso

Outro dia, enquanto assistia a um vídeo que tratava da questão do sucesso profissional como forma de realização pessoal, vídeo esse no qual o interlocutor abordava o assunto com ares de herói ao prometer que o sucesso estava nas mãos de qualquer um - desde que comprasse seu curso online. A partir daí comecei a refletir sobre o assunto e isso me levou a criação deste texto.

Após assistir o tal vídeo, pensei comigo sobre até que ponto o sucesso [a ideia em si] é algo relevante para o bem-estar de um indivíduo. Ao questionar isso, lembrei da minha juventude, quando buscava por vagas de emprego e estava disposto a pegar qualquer coisa, já que ainda não tinha uma profissão definida. Na época eu  participei de alguns processos seletivos horrorosos, principalmente para comercial, área essa que eu detestava com todas as minhas forças, por conta das más experiências  que tive, além de perceber que havia muita enrolação e enganação sobre os produtos oferecidos, sempre com a proposta de ser o melhor dos melhores. Mesmo contrariado com essas coisas, me propunha encarar as oportunidades, não por ser um cara destemido, mas por questão de necessidade.

Jamais me considerei um bom vendedor, pois não é do meu perfil aquele ímpeto de convencimento e persistência extasiante que é comum a todo bom vendedor. Minha timidez e a falta de persistência [e de paciência] na hora de convencer o cliente, fez de mim um péssimo candidato para a área de vendas. Eu me sentia um banana fazendo aquilo. Isso fundamentou ainda mais minha convicção sobre efetivamente eu não ter talento para a área.

As doutrinas que pregam o sucesso de igual maneira para qualquer indivíduo pecam num ponto fundamental, o fator humano. Esses doutrinadores [palestrantes] costumam alinhar todos num mesmo patamar, sem considerar que o sucesso é um fator subjetivo pelo qual cada um pode ter uma visão distinta a respeito, segundo as convicções e valores pessoais. Sem mensurar que cada indivíduo possui suas limitações e competências distintas.

A definição do termo, segundo o dicionário, esclarece que sucesso é aquilo que sucede, que está em vias de acontecer e pode ser um fato ou ocorrência, deixando óbvio para qualquer um que independe somente da vontade de vencer. O discurso está alinhado com uma visão superficial, longe das interferências do meio, que podem interferir na trajetória, interrompendo-a ou alterando o caminho a ser seguido. Ao pensarmos nas variáveis do sucesso, entenderemos a desmistificação da ideia de que o sucesso seja para todos, indistintamente e sem qualquer ruptura ou intercorrências durante o percurso do zero ao sucesso total e absoluto.

Segundo Epicteto: “Sucesso é encontrar aquilo que se tenciona ser e depois fazer o que é necessário para isso” – o que não é nenhuma garantia de que efetivamente alguém chegará ao objetivo daquilo que se propôs, pois embora o planejamento seja a base de tudo, ainda assim há variáveis que podem interferir positiva ou negativamente.

No que diz respeito ao sujeito envolvido na caminhada rumo ao sucesso, existem alguns perfis distintos:

  • O que almeja e consegue chegar ao objetivo com relativa facilidade; 

  • O que deseja muito algo, mas durante a caminhada tem seu caminho desviado ou interrompido por alguma razão diversa e ainda assim persiste e chega ao objetivo desejado; 

  • O que deseja, porém, desiste tão logo surja alguma dificuldade no meio do caminho, pois prefere a comodidade de uma vida sem obstáculos; 

  • O que pensa em ter sucesso na vida, mas vive na inércia, seja por medo ou pela falta de iniciativa. 

  • O que vive alheio a realidade e jamais cogitou a possibilidade de ter sucesso em algo na vida. 

O caminho do sucesso é possível para poucos, difícil para alguns e inviável para tantos outros. Na realidade, indiferente do desejo, chegar a algum lugar requer planejamento, iniciativa e resiliência, coisas essas que fórmulas milagrosas jamais poderão garantir. O sucesso não é um comprimido de analgésico, que ao ser ingerido, resolverá sua dor de cabeça e tudo ficará bem. A vida não é tão simples assim para ser resolvida após uma palestra motivacional de meio turno. 

Existem outros fatores influenciadores nessa busca, fato esse que torna absurda a ideia de nivelar todos num único perfil. Essa falta de coerência ao abordar o assunto é responsável pelo oportunismo comercial criado para empurrar cursos, vender livros e palestras sobre um assunto que não dá para ser abordado com profundidade em uma única tarde ou num livro.

A má notícia é que infelizmente nem todos os cursos ou palestras motivacionais sobre sucesso serão eficazes contra a pressão interna das empresas, que enxergam apenas números e jogam sobre os ombros dos colaboradores a responsabilidade pela busca dos melhores resultados, alheios ao mais importante num ambiente profissional - repito: o fator humano. Somos a principal engrenagem desse mecanismo chamado empresa. Ela depende da mão de obra e não o contrário.

Ser bem-sucedido na vida não diz respeito apenas a chegar no topo profissionalmente e garantir títulos ou sucesso financeiro, nem comprar carros caros ou viajar pelo mundo e viver uma vida de encantos. A subjetividade humana pode ir contra o senso comum e fazer com que alguém sinta-se bem-sucedido após construir uma família, aprender a tocar um instrumento, escrever um livro ou pintar um quadro. Outro exemplo de sucesso seria trocar a loucura da cidade pela paz do campo ou da praia, largar uma carreira de sucesso para cuidar da própria saúde e ter mais tempo ao lado da família e viver seus dias com saúde e tranquilidade.

Ter sucesso na vida é chegar aonde desejamos chegar, sem que esses objetivos sejam influenciados pela opinião, pelo juízo de valor ou critérios morais alheios. Nossas escolhas definirão os caminhos a serem tomados e essas escolhas partem do princípio da autonomia pelo qual cada um deve ser orientado. Portanto, não cabe a ninguém julgar as escolhas alheias, pois não há democracia em uma decisão individual.

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